No presente ensaio são descritos as evidências científicas voltadas ao decaimento da memória e do foco pelo hiperestímulo das mídias digitais – aqui apelidado de “esquecimento global”. Argumenta-se que este não se resume a aspectos unicamente psiconeurológicos individuais, mas processos socioculturais contemporâneos constituídos e alimentados por vetores técnicos, políticos e econômicos convergentes. Discute-se a eticidade da hiperestimulação pelo emprego de potentes dispositivos técnicos de curadoria comunicativa, que resultam em apagamento de referências que constituem a identidade coletiva e facilitam a aceitação narrativas desinformativas. Nesse contexto, concebemos tal dinâmica de apagamentos e destruição de referências como um processo sociotécnico positivo – e não apenas como mera consequência casual.
Usamos o caso emblemático do “rádio do povo” na ascensão do nazismo, mostrando como os eventos comunicativos extremos operam pelo dissenso e oposição de anti-versões (negacionismo histórico/científico), estribados em desinformação que incita ao ódio (teorias da conspiração) e simplifica cenários complexos na edificação das pós-verdades. Questiona-se a eticidade das tecnologias digitais contemporâneas que, em paralelo, cultivam os esvaziamentos da memória individual e coletiva pelo “esquecimento global” com o propósito de descaracterizar o passado e paliar psiquicamente a dissonância cognitiva derivada das contradições com o factual.
Rejeitamos assim a tese do esquecimento fortuito, como reles lacuna ou resíduo consequente a fenômenos psicotécnicos casuais não vinculados.
Em síntese, apontamos para a interligação entre o “esquecimento global”, os negacionismos e as pós-verdades - interdependentes em causalidades, propósitos e dinâmicas.